O alegada proliferação do cibersexo nos mundos virtuais, justificou a curiosidade de ver como funcionam os 'negócios do sexo' em Second Life.
Deixando a análise da 'simulação das actividades sexuais' de livre vontade e sem fins lucrativos para outras crónicas, tentei compreender a organização que norteia o 'sexo como modelo de negócio' em SL.
Quais os 'serviços' prestados? Quem os presta?
Quais os lucros que daí advêm? Quem lucra?
Como e porquê se 'vende o corpo de um avatar'?
Existem clientes para este tipo de negócio? Porque pagam?
Estamos perante a 'mais velha profissão do... mundo real' num mundo virtual?
Escolhi um dos (muitos) clubes (bem) organizados em Second Life e dedicados à venda de serviços sexuais para entender como a 'coisa' funcionava.
O modelo de negócio é claro, completo e altamente sofisticado. E começa pela orgulhosa exibição numa das paredes junto à entrada de um 'Certificado de Comerciante' passado pelo Collas SL Sonsultancy Group!
Recolhi a respectiva notecard, e fiquei a saber o que era necessário para ser 'comerciante certificado' em SL:
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"Nota Informativa: Seja um Comerciante Certificado Procedimentos:
- Obtenha um formulário de Registo no nosso centro de Informação
- Envie o formulário para Wouter Collas e pague a taxa de registo do Collas SL Merchant Group (para ser membro)
- Será convidado para uma entrevista pessoal e um agente visitará o seu negócio, loja ou escritório
- Na entrevista e visita terá que provar a originalidade, design e mão-de-obra dos seus produtos (não são aceites produtos ara revenda)
- Passada uma semana, os resultados ser-lhe-ão enviados. Isso significará que obteve o Certificado ou um aviso para melhorar as suas capacidades e/ou produtos de forma a obter o Certificado mais tarde.
- O Comerciantes Certificados serão associados a uma categoria na nossa Lista Mensal de Especialistas. No Collas Certified Merchant Group a promoção será feita ao nome dos seus produtos.
- Os Grupos de Comerciantes Certificados são os seguintes:
. Grupo A - arquitectos, construtores, designers de texturas
. Grupo B - animações e poses
. Grupo C - cafés, clubes (sexo), discotecas, teatros
. Grupo D - proprietários de centros comerciais
. Grupo E - proprietários de lojas por especialidade (roupa, electrónica, flores e plantas, mobiliário, instrumentos, jóias, partículas e programação, veículos, armas, etc...)
. Grupo F - proprietários de lojas de artigos gratuitos
. Grupo G - sims de países
. Grupo H - proprietários de galerias"
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Confesso que não entendi bem o destaque à exibição do Certificado, mas suponho que deverá funcionar como uma espécie de garantia de que o negócio e a mercadoria seguem normas específicas, segundo parâmetros de qualidade apertados!
Etapa seguinte: Quem manda no clube, e quem pode trabalhar nesse local?
Uma zona de candidatura, permite a recolha de uma notecard com os procedimentos a seguir para poder exercer a profissão:
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"EMPREGO ILHA XXX A ilha XXX é um dos clubes de entertenimento para adultos mais antigo em SL. Pretendemos criar uma atmosfera relaxada e amistosa para os nossos clientes, e uma família para o nosso staff e amigos. Por favor guarde algum tempo para ler a nossa regras antes de se candidatar, e sinta-se à vontade para visitar o clube livremente. Esperamos das nossas colaboradoras que sejam física e verbalmente sofisticadas e sedutoras, e que possuam um elevado standard na aparência e emoções dos seus avatares. Para serem candidatas, o vosso avatar deve possuir:
- Uma alta qualidade de 'skin', incluindo genitais e maquilhagem
- Cabelo flexível de alta qualidade
- Vários conjuntos de roupa para dançar e acompanhar outros eventos. Exemplos: roupa de couro, latex, saias,...
- Vários pares de sapatos
Se não possuir o que se lista acima, por favor considere candidatar-se mais tarde.
Os items referidos e exigidos podem ser adquiridos nas seguintes lojas:
- ...
- ...
- etc"
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Ficou claro o que se pretende de uma colaboradora no clube, e como deve cumprir tais requisitos! Mas serão essas características materiais suficientes para obter um emprego seguro?
Pelos vistos não, a julgar pela notecard seguinte:
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CANDIDATURAS PARA EMPREGO NA ILHA XXX (quando preenchido enviar para ... (hora USA) ou ... (hora Europeia)
- O seu nome:
- Data de nascimento em Second Life:
- Posição a que se candidata (bailarina / escort / ambas):
- Disponibilidade (indique dias e horas):
- 'Time Zone' na RL:
- Experiência profissional prévia em SL:
- Nome de avatar anterior:
- Porque pretende juntar-se à nossa família?:
- Quais as qualidades únicas que pode trazer ao clube xxx?:
(ao apresentar a sua candidatura, aceita reger-se pelas regras e regulamentos da 'ilha' xxx e qualquer omissão ou situação fraudulenta terá como resultado a expulsão imediata)
Anexe algumas fotos suas (pelo menos uma de cara inteira, e uma de corpo inteiro).
Regras de funcionamento:
1. Um título 'xxx' será exibido quando estiver a trabalhar no clube xxx
2. Proibido o sexo no clube. Existem 'skyboxes' para esse efeito
3. Proibida a nudez dos clientes no clube
4. Proibida linguagem abusiva com os clientes. Podem parecer novos, mas devem querer voltar.
5. Proibido o 'camping' nos varões. Usem as áreas de 'camping' (sem o título 'xxx')
6. Proibidos os 'trabalhadores por conta própria', mas se está a ler estas regras é porque já é membro do clube xxx. Se vir alguém a 'trabalhar' por conta própria, por favor comunique aos responsáveis ou à proprietária
7. Se estiver 'away' no palco, será 'ejectada'. Situações deste tipo repetidamente darão origem à expulsão
8. Deverá participar o mais possível nos eventos organizados
9. Use sempre a 'jarra de gorjetas' quando dançar
10. O divertimento e a alegria devem estar sempre presentes
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Candidatura aceite, regras de funcionamento bem definidas, só faltava saber quais os princípios que norteavam a existência do clube:
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XXX é um clube em SL bem conhecido pela postura amiga, sexy e profissional das suas colaboradoras. Para manter o nosso sucesso, gostaria que estivessem conscientes de que:
1. Colocamos sempre os interesses do clube em primeiro lugar
2. Resolvemos os nosso problemas abertamente, mas nunca em público
3. Celebramos os nosso sucesso, e aprendemos com os nossos erros
4. Ajudamo-nos umas às outras
5. Respeitamos os nosso clientes
6. Respeitamo-nos mutuamente
7. Procuramos sempre melhorar o clube
8. Zelamos pela reputação do clube
9. Ouvimo-nos umas às outras 10. Além de tudo isto, divertimo-nos muito (...)
A proprietária."
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As coisas começavam a ficar claras: depois de um processo de admissão rigoroso, era necessário investir na aparência do avatar, e começar a trabalhar, pelo menos, dançando no palco e utilizando o pote de gorjetas (mais tarde percebi que 20% das gorjetas revertem para a proprietária, e os restantes 80% debitados de imediato na conta da bailarina).
Na minha curta estadia no clube XXX, cerca de 6 bailarinas preenchiam uma pequena parte de um enorme palco cheio de varões para dança.
Clientes? Poucos em simultâneo, mas com uma rotação assinalável. Cada bailarina tinha, pelo menos, 400 $L nos seus potes de gorjetas.
No papel de cliente, fui amigavelmente recebido por todas as bailarinas, e, rapidamente, choveram IM's (mensagens instantâneas privadas) com conversas mais apelativas, e sugerindo que a minha estadia não se resumisse a ver o espectáculo. À medida que a conversa evoluía, era ciclicamente sugerida a gorjeta, negociada através da omissão de uma peça de roupa, por exemplo... Mais 50 $L e a saia voava, como que por magia! Outros clientes davam gorjetas de 300, 400 ou 500 $L, vá-se lá saber o que se dizia nos IM's em curso...
As conversas terminavam, invariavelmente, nas propostas de sexo explícito. Se a conversa de prolongava muito, a bailarina perdia a paciência e despedia-se em busca de outro novato mais 'mãos largas'. As propostas nunca eram dirigidas apenas a clientes masculinos, mas também a outras clientes com avatares femininos.
As referências à 'vida real' de cada bailarina nunca me foram recusadas: todas tinham uma história coerente, bem montada e plausível. Falei em castelhano durante algum tempo com M., uma pretensa dominicana de Santo Domingo que passava férias em Punta Cana (esta parte custou-me a 'engolir'!), e em cujo perfil exibia, inclusivamente, a sua foto real.
M. considerava-se uma deusa do amor, capaz de levar qualquer cliente 'às nuvens'.
Perguntei-lhe se podíamos ir para um local mais recatado, e que sim, concerteza que sim, havia instalações apropriadas no clube com todas as condições...
Quis saber quanto isso me iria custar: 1.200 $L por 30 min, 2.000 $L por uma hora!
Para tentar adiar a decisão, perguntei-lhe se o 'amor virtual' lhe dava algum prazer... real!
Que sim, claro que sim, mas não acontecia muita vezes... Na verdade foram poucas as vezes, e apenas quando os clientes pagavam 5.000 $L ou mais! Esclarecido fiquei!
Confessei a minha falta de fundos, e prometi pensar melhor no assunto na próxima visita, sem deixar de retribuir todos os piropos lançados durante a conversa, numa lábia estereotipada muito bem estudada.
L. era americana, dizia. Falava inglês e um castelhano fluente! Com ela foi possível manter uma conversa mais demorada, sem que os $L se precipitassem.
Contou-me da sua timidez 'real', da sua 'libertação' ali no clube, e na forma como isso atraía os clientes. Normalmente os mais perversos, capazes de lhe propor as mais incríveis fantasias. Um (suposto) alemão, uma vez, terá gasto mais de 15.000 $L para aceder a uma das salas do clube com L., e manter relações virtuais que tinham obrigatoriamente que envolver sandwiches de queijo! Quando me ri, a americana de proeminentes 'boobs' avisou-me: a maioria dos clientes que ali deixavam grandes quantidades de $L sabiam do que falavam, e sabiam exactamente a fantasia que os levava a ter que carregar a sua conta virtual periodicamente...
Através da consulta dos perfis das bailarinas (ou de uns posters com uma 'notecard' disponível que se pagavam à proprietária), fiz uma média dos custos para recorrer aos serviços especiais:
- 500 $L para 30 minutos de companhia fora do clube + alguns presentes
- 350 $L para 15 minutos de lapdance com nudez parcial
- 1.200 $L para 30 minutos striptease e sexo 'puro' (!)
- 2.000 $L para 60 minutos striptease e sexo 'puro' (!)
- 1.500 $L para 30 minutos de sexo com um casal
- 3.000 $L para 15 minutos de sexo com voz (!)
- 5.000 $L para 30minutos de sexo com voz
- 10.000 $L para 60 minutos de sexo com voz
A estes custos acresciam as gorjetas necessárias para manter a conversação na sala (sem gorjetas as IM's terminavam rapidamente), e, no caso de querer utilizar uma das salas do clube, o aluguer da sala: mais 500 $L.
Feitas as contas, assim muito por alto, num dia de trabalho de 8 horas, uma bailarina / escort pode arrecadar com alguma facilidade uns 20.000 / 30.000 $L, ficando nas mãos da proprietária cerca de 500 $L por bailarina (das gorjetas nos potes).
Quem são, realmente, as profissionais do sexo em SL? Um trabalho muito mais demorado (e caro...) talvez se pudesse aproximar de alguma conclusão. Da minha curta investida no clube XXX resultou a convicção (por pura intuição), de que por detrás de cada bailarina se esconderiam alguns personagens masculinos.
Quem melhor do que um homem para saber exactamente aquilo que eu queria ouvir em cada momento?
É apenas um pressentimento, difícil de confirmar, mas que, no fundo, não interessa para nada!
Fiquei com a ideia de que quem procura regularmente clubes deste tipo e serviços de sexo virtual, só quer mesmo é que lhe contem uma história, o melhor e o mais parecida possível com uma determinada fantasia bem real!
Se as regras impostas no modelo de negócio do sexo em SL parecem replicar a 'profissão mais velha... do mundo real', na prática a 'venda' do 'corpo do avatar' não parece assemelhar-se nem ter as consequências da utilização desesperada do 'corpo real'.
O envolvimento emocional com o avatar, neste tipo de actividade, aparenta ser reduzido para o proprietário do dito 'boneco'. O que conta mesmo são os $L que caem paulatinamente na conta. E isso, ao fim de um mês, de um ano, é dinheiro 'real' livre de impostos!
Bem mais 'real' será o consumidor de tais serviços, que paga quantias quase exorbitantes para preencher uma triste solidão com bonequinhos animados que dão corpo a fantasias reprimidas.
O resto, como dizia L., "It's just business, sweety...!"