28.9.07

A Segunda Vida ou a Vida à Segunda


(quaisquer semelhanças com outras estórias não são coincidência)

Eliana Vella, Carolina Vella e Isabelita Vella, ou Las Diosas, como eram conhecidas, chegaram à praia num pôr-do-sol de postal. O DJ parava a música techno quando entravam, e usava o micro para gritar alto: “Las Diosas”! Os notívagos viravam-se maquinalmente, e apreciavam as três beldades que espalhavam pelo areal a sua volúpia.
Las Diosas vinham sempre no mesmo dia da semana, à segunda, religiosamente provocantes.
Havia já quem ali fosse apenas para assistir à sua chegada. A areia azul escarlate da praia imensa, reflectia todos os brilhos dos adereços das deusas, inundadas de brincos, anéis, incrustações em vestidos mínimos justos aos corpos esculpidos a cinzel.
O ritual era sem igual, semana após semana: a chegada triunfal, a conquista da posição mais central da pista de dança improvisada, e a sedução.
Nunca ninguém as vira comunicar com estranhos. Só falavam entre elas. A sua arte era a sedução inconsequente, com um menear de corpos quentes e provocadores.
Todos sabiam ao que vinham, ninguém ousava aproximações. Era o deleite pela manifestação estética, sem palavras…
Essa noite foi igual a todas as outras, curta e eloquente.

Nessa segunda-feira, numa sala abafada de um bairro popular de Buenos Aires, o ritual repetia-se. Fran e Omar, quarentões encorpados e barrigudos de cerveja, olhavam um para o outro com um sorriso triste. Recém-chegados de uma praia imensa, barba de três dias, fumavam esquecidamente um puro de cheiro intenso misturado com o suor que lhes escorria da testa.
Fran preparava rigorosamente o mate tal como a mãe lhe ensinara há 35 anos. Omar dispunha as três cadeiras meticulosamente distribuídas pela mesa redonda. 120 graus entre cada uma, medidos ao eixo. Na sebosa mesa de madeira pousava três individuais iguais, cinzentos e desgastados.
Sentaram os seus noventas e tais quilos leve e suavemente em duas das três cadeiras puídas, colocaram o mate no centro da mesa durante segundos. Com os braços gordos e peludos abandonados sobre a mesa, olhavam para o infinito centrado na bebida.
Era mais uma segunda-feira, 3 horas da manhã, a hora exacta em que tinham sabido, havia já seis meses, na sala da Urgência do Hospital Federal, que Nino tinha sucumbido à merda do cancro que lhe consumira o pâncreas.
Deslocaram o mate para o lugar vazio, e aguardaram os dois minutos previstos. O mate passou para Omar, de Omar para Fran, dois minutos exactos na boca de cada um.
Las Diosas, Omar, Fran e Nino, continuavam a arrasar nas noites da praia de areia escarlate. Nino partira da mesa de mate, mas Las Diosas nunca mais se separaram! Fran deslocou delicadamente o mate para o lugar vazio e soltou tremido: “’pa vos, che!”

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns!!! Este conto para mim até agora é o melhor. Continua!!!!