25.12.07

Segundos Sentidos

(quaisquer semelhanças com outras estórias não são coincidência)

Minnie Zabaleta sabia de solidão. Era quase especialista na matéria. Aprendera não só a lidar com ela, mas a usufruir de um descanso metafísico. Balançava as ideias nas ondas da quietude, sem movimentos estranhos que lhe perturbassem a paz. A pureza do sentimento nascera da necessidade de se abstrair da presença de seres multiformes e multicolores que a cansavam cada vez mais. Em ruídos se transformaram. Ruídos sonoros, visuais, até ideológicos.
Minnie recolhia-se no seu estado de pureza mais recôndito, na esperança de alcançar a sublime tranquilidade de uma paisagem desnuda. Qualquer pequeno ruído, ou o mais ínfimo cintilar de cores fortes, provocavam a sua ira e aumentavam sua vontade de se esconder daquele mundo.
A solidão de que a acusavam diariamente, era a sua sabedoria. Num mundo de gente desbocada e que comunicava a qualquer preço, sentia-se privilegiada. Sem obrigações de palavras, gestos ou atitudes para quem se assomava com presunção. Cada minuto passado na sua redoma eram eternos e esculpidos a cinzel na sua memória.
O deleite do anonimato encantava-a, pela possibilidade de se isolar da vida, sem variações de humor nem interacções indesejadas.

Nos camarins do Teatro Nacional de S. Pedro, Giulia Macina contorcia o pulso direito doloroso e dava o seu quadragésimo quinto autógrafo da noite. Depois de duas horas de espectáculo, a voz cansada de uma ópera de Verdi, Giulia desdobrava-se em sorrisos fabricados e em gestos estudados de simpatia. Mal teria tempo para se preparar para festa de encerramento que se seguia, onde centenas de admiradores tentariam aproximar-se, tocar-lhe, beijá-la ou apenas cruzar um olhar.
Giulia programava cada segundo diariamente com a sua agente, numa monótona rotina social que a enjoava.
Entre o camarim e a festa, Giulia dispunha de duas horas de repouso e de tratamentos estéticos que a preparassem para brilhar. O brilho obssessivo de que fugia diariamente, permitiu que, numa escapada de dez minutos, mergulhasse na solidão do seu outro mundo. O da solidão. O que lhe garantia o equilíbrio emocional.
Ligou o portátil, voou para o seu mundo, e aterrou na infinita paz de espírito. Dez minutos!

1 comentário:

Anónimo disse...

Já estava com saudades destes posts :0)
Obrigada!