A Segunda Vida de Second Life
Em 2007 Second Life viveu a sua ‘segunda vida’! O ambiente virtual ‘da moda’, começou o ano com 2,2 milhões de registos, e termina 2007 com 11,5 milhões de ‘residentes’!
Uma pequena empresa californiana criada em 1999, lançou em 2003 a versão beta de um ‘mundo virtual’ com o nome Second Life, e com o claim “Your World. Your Imagination.” Longe de pensar na confusão generalizada que tal nome iria criar, a Linden Lab Inc. viveu, quatro anos depois (e por ironia da metáfora), a sua própria ‘segunda vida’.
A proposta (utópica?) de criação de um ‘mundo’ detido pelos seus residentes, trouxe à memória dos mais avisados o conceito de metaverse de Neal Stephenson, e fez salivar milhões de ciber-utilizadores, cansados de uma Web esclerosada e ávidos de… liberdade!
A mediatização exagerada do fenómeno deu azo a 365 dias de especulações sucessivas, de investigações académicas, de conflitos institucionais, de enquadramentos legais complexos,…
Como se, de repente, o usufruto do ciberespaço tivesse ganho outro sentido e um aspecto físico plasmado no ecrã e perceptível por milhões de curiosos.
E o nome do ‘tal mundo’ tratou de gerar a confusão: uma segunda vida, numa leitura simplista, sugere a procura de uma existência alternativa. Daí à fuga à realidade, foi um passo…
O ano começou com a divulgação da notícia do crescimento de mais um jogo online, e, para os menos crentes ou menos informados, termina tal como começou: Second Life é um jogo (ainda que sem história nem objectivos)! Ponto final!
(para os leitores nestas condições, o resto desta crónica deverá ser pouco interessante)
Prosseguiu com escândalos: negócios de ‘jogo’ sem legislação, pedofilia, actividades ilícitas. O negócio do ‘jogo’ mandou-se fechar por ordem superior (pelo menos em casinos organizados); a pedofilia não é coisa que se feche, investiga-se; as actividades ilícitas vagueiam pela carência de uma definição concreta do conceito, e, como tal, averiguam-se…
A verdadeira ‘febre’ começou com a divulgação mediática de acontecimentos, de coisas, de gestos… desde que inéditas e transportadas da vida real para o mundo virtual.
Second Life encheu páginas de jornais e revistas, ocupou espaços de tv e rádio, foi notícia por ser… novidade. Os media trataram de levar o projecto da Linden Lab pela mão a uma exposição impensável num passado recente. Nem sempre bem informados, quase sempre pouco rigorosos, os jornalistas e especialistas em tecnologia foram, em 2007, os melhores funcionários da Linden Lab, sem direito a prémios nem subsídios.
As multinacionais elegeram Second Life como ‘a’ plataforma a explorar, transportando para o metaverse propostas sem sentido decalcadas das estratégias de marketing aplicadas na Web. Mais importante do que entender os novos paradigmas de comunicação que cresciam na rede virtual, parecia ser dar um ar de modernidade com a tecnologia a reboque.
No meio do bombardeamento de (des)informação (em Portugal, durante este ano, terão sido publicadas cerca de 1100 notícias sobre Second Life, nos diversos meios, sem contar agências noticiosas e informação regional), o ‘mundo’ virtual da moda foi crescendo e amadurecendo, uma e outra inversamente proporcionais. Aos períodos de crescimento mais acentuado (entre Março e Setembro) correspondeu uma menor maturidade da ‘vida virtual’, com milhões de almas a registarem-se, a ‘entrarem’ uma única vez no ‘mundo’, e a nunca mais voltarem… desiludidas com a falta de objectivos propostos ou com a pretensa complexidade de navegação. Estava assim criado um território fértil para a guerrilha de informação, com vaticínios de morte súbita do projecto, de falência dos investimentos empresariais, de potenciais comportamentos desviantes, de mentira ou de esquizofrenia pandémica.
A redução no crescimento de Second Life, mais acentuada no último trimestre do ano, parece indiciar o início de uma fase de maturação em que Second Life se encontra mergulhado. Cada vez mais é visível que quem ‘sobreviveu’ à ‘bolha mediática’, sabe o que quer na sua ‘segunda vida’, e essa clarividência transporta consigo qualidade e inovação.
Estima-se que cerca de 8 a 10% do total de registados sejam utilizadores activos de Second Life. Mas apenas umas poucas dezenas de milhar serão os obreiros de um mundo inóspito concebido na empresa californiana. Os servidores da Linden Lab acumulam projectos, massa crítica e muita dedicação de uns prováveis 0,5% dos utilizadores registados.
Por coincidência, o ano civil de 2007 permitiu delimitar um ciclo de vida específico de Second Life. A proposta lançada em 2003 (‘Your world. Your imagination.’) foi, em 2007, levada à letra. A inocência da metáfora da ‘segunda vida’ sugerida pela Linden Lab no início do século, transformou-se, afinal, na representação ‘terrena’ de uma frase idealista.
Resta, para o futuro, a certeza de que o conturbado percurso de Second Life no ano que termina, serviu para repensar e reequacionar o ciberespaço e os paradigmas de comunicação online. A recém-autocrática Linden Lab (com milhões de objectos nas ‘mãos’ criados por dezenas de milhões de pessoas), parece condenada a ‘liberalizar’ o metaverse para sobreviver: é o que faz dizer à malta para construir um ‘mundo’ à sua imagem e semelhança!
Não há nada como uma boa crise existencial para crescer!
(crónica publicada no suplemento Digital do jornal Público em 29 de Dezembro 2007)
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