"… na sociedade da Internet, o complicado não é saber navegar, mas sim saber onde ir, onde procurar o que se quer encontrar e que fazer com o que se encontra. E isto requer educação."
Desta vez a citação não tem a ver directamente com Second Life,... mas até podia ter a ver!
Foi referida por J. L. Orihuela no seu blog eCuaderno, remetendo para uma entrevista de Manuel Castells ao El País , e a Milagros Pérez Oliva, em 06 de Janeiro.
Na qualidade de apreciador confesso da obra de Castells, não resisto a reproduzir aqui parte dessa entrevista, sugerindo uma reflexão sobre as palavras sábias do sociólogo catalão (e relacionando-as com Second Life, se acharem conveniente...):
"O Poder tem medo da Internet"
"Se alguém tem estudado as interioridades da sociedade da informação é o sociólogo Manuel Castells (Hellín, 1942). A sua trilogia 'La era de la información: economía, sociedad y cultura' foi traduzida em 23 idiomas. É um dos primeiros cérebros resgatados: voltou a Espanha, para dirigir a investigação da Universitat Oberta de Catalunya, em 2001, despois de ter investigado e dado aulas durante 24 anos na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Uma das suas investigações mais recentes é o Proyecto Internet Cataluña, no qual analisou durante seis anos, através de 15.000 entrevistas pessoais e 40.000 através da Rede, as alterações que a Internet introduz na cultura e na organização social, e que culminou com a publicação, com Marina Subirats, de Mujeres y hombres, ¿un amor imposible? (Alianza Editorial), onde aborda as consequências destas alterações.
Pergunta. Esta investigação mostra que a Internet não favorece o isolamento, como muitos acreditam, mas sim que as pessoas que mais participam em chats são as mais sociáveis.
Resposta. Sim. Para nós não é nenhuma surpresa. A surpresa é que esse resultado tenha sido uma surpresa. Há pelo menos 15 estudos importantes no mundo que apontam para esse mesmo resultado.
P. Porque pensa que a ideia contrária se propagou com tanto êxito?
R. Os meios de comunicação têm muito a ver com isso. Todos sabemos que as más notícias são mais notícia. Você utiliza a Internet, e os seus filhos também; mas é mais interessante pensar que está cheia de terroristas, de pornografia... Pensar que é um factor de alienação é mais interessante que dizer: a Internet é a extensão da sua vida. Se você é sociável, será mais sociável; se não o é, a Internet ajudará um pouco, mas não muito. Os meios de comunicação são, em certo modo, a expressão do que pensa a sociedade: a questão é porque é que a sociedade pensa assim.
P. Com medo do que é novo?
R. Exacto. Mas medo... de quem? Da velha sociedade face à nova, dos pais face aos seus filhos, das pessoas que têm o poder ancorado no mundo tecnológica, social e culturalmente antigo, face aos que surgem de novo, que não entendem nem controlam e que os percebem como um perigo, e que no fundo é. Porque a Internet é um instrumento de liberdade e de autonomia, quando o poder sempre esteve consolidado no controlo das pessoas, da informação e da comunicação. Mas isso acaba. Porque a Internet não se pode controlar.
P. Vivemos numa sociedade na qual a gestão da visibilidade na esfera pública mediática, como a define John J. Thompson, se converteu na principal preocupação de qualquer instituição, empresa ou organismo. Mas o controlo da imagem pública requer meios que sejam controláveis, e se a Internet não o é...
R. Não o é, e isso explica porque é que os poderes têm medo da Internet. Eu estive em não sei quantas comissões assessoras de governos e instituições internacionais nos últimos 15 anos (Portugal incluído), e a primeira pergunta que os governos fazem sempre é: como podemos controlar a Internet? A resposta é sempre a mesma: não se pode. Pode haver vigilância, mas não controlo.
P. Se a Internet é tão determinante na vida social e económica, o acesso a ela pode ser o principal factor de exclusão?
R. Não, o mais importante continuará a ser o acesso ao trabalho e à carreira profissional, e antes a um nível educativo, porque, sem educação, a tecnologia não serve para nada. Em Espanha, a chamada brecha digital existe por uma questão de idade. Os dados são muito claros: entre os maiores de 55 anos, apenas 9% são utilizadores de Internet, mas entre os menores de 25 anos, são 90%.
P. É, pois, apenas uma questão de tempo?
R. Quando a minha geração tiver desaparecido, não haverá brecha digital no acesso. Agora, na sociedade da Internet, o complicado não é saber navegar, mas sim saber onde ir, onde procurar o que se quer encontrar e o que fazer com o que se encontra. E isso requer educação. Na realidade, a Internet amplifica a mais velha brecha social da história, que é o nível de educação. O facto de 55% dos adultos não ter completado, em Espanha, o ensino secundário, essa é a verdadeira brecha digital.
P. Nesta sociedade que tende a ser tão líquida, numa expressão de Zygmunt Bauman, na qual tudo muda constantemente, e que cada vez está mais globalizada, pode aumentar a sensação de insegurança, de que o mundo se move por baixo dos nossos pés?
R. Há uma nova sociedade que eu tentei definir teoricamente com conceito de sociedade-rede, e que não está muito longe da que define Bauman. Eu creio que, mais do que líquida, é uma sociedade em que tudo está articulado de forma transversal e onde há menos controlo das instituições tradicionais.
P. Em que sentido?
R. Espalha-se a ideia de que as instituições centrais da sociedade, o Estado e a família tradicional, já não funcionam. Então o chão foge-nos todo de uma vez. Primeiro, as pessoas pensam que os seus governos não as representam e não são fiáveis. Começamos, portanto, mal. Segundo, pensam que o mercado serve para os que ganham e não serve para os que perdem. Como a maioria perde, há uma desconfiança face ao que a lógica pura e dura do mercado lhes possa proporcionar. Terceiro, estamos globalizados; isto quer dizer que o nosso dinheiro está em algum fluxo global que não controlamos, que a população se vê submetida a pressões migratórias muito fortes, de forma que cada vez é mais difícil encerrar as pessoas numa cultura ou em fronteiras nacionais.
P. Que papel desempenha a Internet nesse processo?
R. Por um lado, ao permitir-mo-nos aceder a toda a informação, aumenta a incerteza, mas, ao mesmo tempo, é um instrumento chave para a autonomia das pessoas, e isso é algo que demonstrámos pela primeira vez na nossa investigação. Quanto mais autónoma é uma pessoa, mais utiliza a Internet. No nosso trabalho, definimos seis dimensões de autonomia, e comprovámos que quando uma pessoa tem um forte projecto de autonomia, em qualquer dessas dimensões, utiliza a Internet com muito mais frequência e intensidade. E o uso da Internet reforça, por sua vez, a sua autonomia. Mas, claro, quanto mais uma pessoa controla a sua vida, menos se fia nas instituições.
P. E maior pode ser a sua frustração pela distância que existe entre as possibilidades teóricas de participação e as que exercem na prática, que se limitam a uma votação de quatro em quatro anos, não acha?
R. Sim, existe um desfasamento enorme entre a capacidade tecnológica e a cultura política. Muitos municípios colocaram pontos Wi-Fi de acesso, mas ao mesmo tempo não são capazes de articular um sistema de participação, servem para que as pessoas organizem melhor as suas próprias redes, mas não para participar na vida pública. O problema é que o sistema político não está aberto à participação, ao diálogo constante com os cidadãos, à cultura da autonomia, e, portanto, estas tecnologias o que fazem é distanciar ainda mais a política da cidadania."
Castells dixit...