14.4.08

'A Segunda "Família"' de Daniel Sampaio

O artigo "A Segunda Família", de Daniel Sampaio, na Pública de 06 Abril, pelo seu interesse e actualidade, suscita-me alguns comentários. Escreveu Sampaio:

"Os incidentes na escola do Porto e a demonstração - pela Internet - de que outros estabelecimentos de ensino poderiam conter situações de grave indisciplina, tiveram a virtude de fazer acordar muitos pais e educadores. A verdade é que quem contacta com jovens já se tinha apercebido como a voracidade de um quotidiano virado para o consumo e para o divertimento sem regras tem empurrado os adolescentes para um mundo em que o prazer e o espectáculo estão acima de tudo.
Esta maneira de viver que caracteriza muitos jovens de hoje inicia-se na infância ou na pré-adolescência. Cresceram vazios, sempre em busca de uma gratificação imediata, tornaram-se exigentes para com os pais, perderam de modo progressivo o sentido do outro: acima de tudo, querem estar bem, viver sem preocupações, "curtir" o momento. Os pais sentem-se perdidos, porque receiam ser firmes, na ânsia de tudo fazerem para que os filhos "sejam felizes" adiam dizer não, mesmo quando não concordam: preferem permitir, também porque às vezes é mais fácil. Quando a família se desmorona por doença mental ou por divórcio, os filhos são muitas vezes os bodes expiatórios dos progenitores e saltam de casa em casa sem que ninguém fale com eles. Mesmo quando a família se mantém intacta e sem problemas de maior, os adolescentes parecem considerá-la secundária, porque são os colegas, os amigos e os contactos na Internet que verdadeiramente os mobilizam. Fala-se então da "segunda família": os jovens vivem submersos na música preferida, nas roupas, nos adornos corporais e quem lhes interessa, em muitos casos, já não são os pais, os avós e os irmãos, mas os membros da sua nova rede relacional. A escola é importante não como fonte de conhecimentos, mas como alguma coisa que se tolera porque permite ter amigos e levar ao máximo experiências-limite, sobretudo se forem filmadas e exibidas para o grupo. Os pais assistem atónitos: acabadas as redes de vizinhança, enfraquecidas as organizações estruturadas na comunidade e dirigidas por adultos (igreja, escuteiros, grupos desportivos...), olham em redor e vêem os filhos adolescentes cada vez mais longe. É, por exemplo, habitual que os adolescentes faltem aos aniversários ou a outros rituais familiares, porque "vão sair", ou "é o dia de estarem com os amigos".
A explosão tecnológica trouxe a todo o lado esta "cultura" juvenil: telemóveis, grupos de conversação, dispositivos para ouvir música e muitas outras coisas permitiram a comunicação a distância e a socialização fora do controlo familiar: hoje muitos amigos não aparecem em casa e estão longe do grupo de pares de que tanto se falou nos anos noventa. Os ídolos não são os protagonistas da televisão ou do cinema, são sites e programas de conversação que nem sempre veiculam bons modelos: em muitos casos triunfam agora as mensagens hipersexualizadas, os sites das anorécticas, os links para a violência.
Que fazer? Encarar o problema e deixar de vez o discurso saudosista ou derrotado: em primeiro lugar, definir com o adolescente em causa a sua rede relacional. Os adultos responsáveis pela educação têm de saber com quem os filhos contactam, em proximidade ou à distância; perceber quem são os líderes do grupo e por que razão são influentes; trazer para casa membros da "segunda família", sem esquecer de fazer notar que a primeira é a crucial, porque será mais duradoura. Para isso, os pais devem partilhar experiências com outros pais que tenham filhos em situação semelhante, conhecer ao máximo as novas tecnologias, melhorar a proximidade com a escola sem invadir demasiado o território escolar.
O debate sobre estas questões demonstrou como se discute o acessório, sem que as pessoas se apercebam como tudo está a mudar na adolescência e na família. A nova facilidade na comunicação tem de ser a garantia de que os pais contactam os filhos durante o dia, mesmo que estejam a trabalhar. E é bom ver se todos estes comportamentos nos jovens não são uma luta contra o anonimato e o vazio das suas vidas: mesmo que o sejam, temos de os atalhar a tempo."

O discurso de Daniel Sampaio (como é habitual) está (felizmente) longe de ser conservador, alarmista ou ortodoxo.
Faltará, no entanto, nesta breve reflexão, assumir que a tal 'segunda família' é hoje mais do que 'um quotidiano virado para o consumo e para o divertimento sem regras', e muito mais do que 'estar bem, viver sem preocupações, "curtir" o momento...'!
As novas redes relacionais que os pais devem (segundo Sampaio, e muito bem, a meu ver) assimilar e compreender, já não são apenas exercícios hedonistas e 'de moda'. Os conteúdos que circulam nas ditas 'redes' ultrapassam as barreiras do lúdico e da diversão e começam a pisar os terrenos do conhecimento e da partilha de saber.
São inúmeras as experiências de utilização de redes sociais, nomeadamente nos chamados 'mundos virtuais', ao serviço de projectos educativos com população escolar no ensino secundário e universitário (consulte-se, por exemplo, o Global Kids' Digital Media Initiative).
Daí a necessidade de enquadramento dos fenómenos mais populistas (como o do incidente na escola do Porto) numa 'nova' realidade social, comunicacional e relacional marcada pelo 'digital'.
A 'segunda família' fundir-se-á com a 'primeira' a médio prazo, assim as intenções comuns sejam as de comunicar, aprender, partilhar, sobreviver e... viver!

2 comentários:

Summer Wardhani disse...

O meu puto tem quase treze anos. Tem horários para estar na escola, a brincar na rua com os amigos, e em casa. Dentro de casa, tem novamente tempos estabelecidos para "os deveres" e para "os prazeres".

Com frequência, chego a casa e tenho um, dois, três pré-adolescentes lá dentro. Outras vezes, dou eu autorização para ficar a jantar em casa deste ou daquele.

É verdade que nem tenho pretensões em pensar que consigo controlar tudinho. Mas conforta-me que ele me ligue a meio da tarde a dizer que já fez os trabalhos "e se posso ir ao teu computador, mãe". Eu vou deitando um olho ao histórico, e ele conta-me com entusiasmo as "cenas" a que assistiu no youtube.

Mas também é verdade que basta alguma atenção apenas e as "duas famílias" não estarão assim tão afastadas. O meu truke ? Faço os possíveis por acolher bem os amiguinhos lá em casa... se se sentirem bem por lá, vão querer voltar e ao menos sei onde estão :D

Francisco disse...

Um dos problemas está também em que os Psi's perderam quase completamente o pé nesta maré ... E não é o seu discurso aparentemente seguro que vai resolver seja o que for. Venha uma nova vaga de Psi's !